Atirador do Texas comprou armas legalmente, apesar de antecedentes
Matéria de Marta Santos do R7.COM
O tiroteio que deixou ao menos 26 pessoas mortas em uma igreja no Texas neste domingo (5) voltou a reacender o debate sobre controle de armas nos EUA.
Duas coisas chamaram a atenção neste caso: o atirador, identificado como Devin Patrick Kelley, tinha antecedentes criminais por agressão à família; ele também sofria de problemas mentais, segundo uma declaração do presidente Donald Trump.
Ainda assim, Kelley teve acesso a armas. Algo que não é tão incomum, devido à legislação norte-americana, explica Ivan Marques, diretor executivo da ONG Sou da Paz.
— No Texas, para comprar uma arma, é preciso apenas ter ao menos 18 anos, apresentar uma carteira de motorista com endereço e não ter nenhum antecedente criminal. A checagem dos antecedentes é feita por um sistema do FBI [a polícia federal americana], que é um banco de dados que não acessa muitas informações.
Essa checagem, diz Marques, é instantânea no Texas, ou seja, é possível conseguir autorização na hora para comprar uma arma.
— Em alguns Estados há um tempo de espera, no Texas não. Isso é muito discutido lá. Se você está com a cabeça quente, só precisa apresentar os documentos e a compra da arma é feita em cinco minutos. No Brasil, por exemplo, a checagem é bastante profunda. Você não pode estar respondendo a um processo ou estar sendo investigado, nada que fale contra você. Além disso, é preciso ser maior de 25 anos e fazer um teste de aptidão para manuseio de armas.
A polícia texana divulgou nesta segunda-feira (6) que o ataque a igreja teria sido motivado por uma questão "doméstica” ou "briga familiar".
Kelley, de 26 anos, havia servido a Força Aérea norte-americana, mas foi expulso da instituição após agredir a mulher e o filho. Ele ficou preso durante um ano. O histórico militar, no entanto, não explica o fato de seus antecedentes não terem sido detectados, diz Yann Duzert, professor de Negociação e Resolução de Conflitos da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
— Foi um tribunal da Força Aérea que determinou que houve abuso da mulher e do filho, e que determinou que ele seria demitido do serviço militar. Acontece que as forças armadas não tinham enviado as informações sobre a condenação dele para o FBI, e é por isso que ele conseguiu comprar as armas. Houve falha de coordenação nas informações.
Trump declarou que Kelley era um indivíduo com “problemas mentais, simplesmente um desequilibrado”. Essa é outra discussão que vem sendo levantada nos EUA há algum tempo, diz Marques.
— Alguns Estados querem barreiras e outros não veem problemas nisso. No Brasil, você precisa de um atestado de capacidade psicológica para conseguir comprar uma arma. Temos uma legislação que está anos luz a frente da empregada nos EUA de um modo geral, e ainda mais quando comparada ao Texas.
O presidente disse ainda que o caso “não é uma situação ligada às armas". Para Duzert, essa é apenas uma forma de desviar a atenção do verdadeiro problema.
— A retórica do Trump é de dizer que foi um caso triste, que está rezando pelas vítimas e que o atirador tinha problemas psicológicos. Assim, ele tira o foco do debate sobre se a legislação deveria restringir o acesso às armas. Quando estava no governo, Barack Obama fez um decreto que restringia a compra de armas para pessoas com problemas mentais, mas o Trump revogou esse decreto.
Kelley feriu dezenas de pessoas na igreja e trocou tiros com dois moradores locais, que o perseguiram de carro. O atirador bateu o veículo e foi encontrado morto com um tiro auto-infligido e diversas armas, declarou a polícia.
Um dos moradores que perseguiram Kelley foi identificado como Johnnie Langendorff. Ele está sendo aclamado como herói por ter perseguido o atirador, uma forma errada de interpretar a situação de acordo com professor.
— De acordo com esse argumento, poderíamos ter um escalada de armamento, um vizinho querendo ter armas melhores do que o outro. Em vez de vender armas, deveríamos ensinar habilidades de lidar com conflitos emocionais, controle temperamental, habilidade modernas de negociação, ensinar a ser um cidadão pacificador.
Marques completa:
— O que é melhor, ter sociedade que não dá acesso a armas de fogo a qualquer um ou uma população armada e preparada para disparar a todo momento? É preferível você dar acesso a armas para aquele que você consegue avaliar, como é a legislação brasileira, do que distribuir armas para a população inteira.
Armas nos EUA
Tiroteios em massa são comuns nos EUA. Somente em 2017, já foram registrados 307 incidentes do tipo, uma média de quase um por dia.
— Se você compara os EUA com outros 15 países de mesmo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), ele chega a ter um índice de homicídios até cinco vezes maior. Existem outros efeitos colaterais nocivos como o uso da arma para intimidação e violência doméstica, além dos acidentes que acontecem com crianças que encontram armas em casa.
O direito à posse de armas é garantido no país pela Segunda Emenda da Constituição, de 1791. De forma geral, pessoas sem antecedentes criminais têm fácil acesso a armas, mas outras restrições variam de acordo com o Estado.
O preço das armas também passa longe de ser um empecilho para a compra. De acordo com informações divulgadas pela BBC Brasil este ano, as armas custam muito pouco nos EUA. Pistolas podem ser encontradas por cerca de R$ 650 (US$ 200) e fuzis de assalto por R$ 5.000 (US$ 1.500).
A NRA (Associação Nacional do Rifle, em tradução livre) é um dos mais influentes defensores da política pró-armas nos EUA.
— A NRA é a maior organização da sociedade civil norte-americana, com um orçamento de milhões e milhões à sua disposição, tanto para companhas publicitárias quanto para políticas, de presidente a políticos locais. Esse lobby impulsiona a indústria de armas e faz com que qualquer tentativa de controle seja combatida duramente pela NRA e seus seguidores.
Para Duzert, a interpretação da Constituição foi distorcida pelos defensores das armas.
— A NRA faz um lobby, especialmente com os republicanos, que tem territórios que são altamente a favor da Segunda Emenda. Só que o texto da Constituição vem com um contexto, que o cidadão pode organizar milícias para combater qualquer governo que oprima a liberdade do cidadão. O problema é que isso foi transformado para qualquer cidadão pode ter arma de fogo. Mas, se deixarmos um cidadão ter armas de defesa, porque não bazucas e amanhã um tanque? Onde é o limite?